quinta-feira, 24 de setembro de 2009

POESIA

APARADOS DA SERRA, RS,JUNHO DE 2004



MOMENTO


O verso chama o olho do homem ao tempo mais precioso.
Olha essa vida inacabada, essa hora por acontecer.
Colhe essa palavra ainda não gestada e planta um poema.
Esse olhar que sabe a hora faz-se a palavra de novo.
E os versos no olhar do homem cumprem com o tempo de mais ser.


Márcio Ares. 2009.

POESIA

SCHONBRUNN, VIENA, NOVEMBRO DE 2002


APRENDIZAGEM


Hei de chegar a qualquer hora, com a indisciplina do amor,
para dizer-te o quanto perdi.
Estarás segura, bem sei, na contramão de mim
e saberei, como nunca, essa dor.

Parecerei, ao teu querer antigo, um homem sem rumo.
Inexato e frágil, como o disseste, e eu sempre soube.
Sem lugar e sem tempo essa entrega ao teu mundo encheu-se de vontade
e, pouco a pouco, na coragem da estrada foi ficando estrada.

As curvas do meu destino sabem esse desgoverno
e as dores de eu me entregar, com certeza, têm a sombra do teu olhar.
O meu querer voltar ficou no rastro da estrada, na procura, no escuro,
no avanço do passo que sabe o tamanho do medo.


Márcio Ares. 2008.

POESIA

Biri Biri, Diamantina,1999


MINGUANTE


enquanto você não vinha
a hora às outras se dava
no céu imperfeito e vazio
a lua minguava um pedaço
no mais amor que eu a via
meus olhos cadentes ficavam
- luz que eu nunca não tinha
- falta que sempre faltava



Márcio Ares. 2007

POESIA

Biri Biri,Diamantina,1999

PRESENTE


O amor alcança estrelas quando desaprende o medo
ergue-se no entendimento das coisas
diz o leste e o norte das lendas
traz a alegria de agora
inventa olhos para o instante mais pleno
e completo se esconde no milagre das horas

O amor é grande e pequeno
enquanto mais forte de querer se dobra



Márcio Ares. 2007.

POESIA

BUDAPESTE NOVEMBRO DE 2008


ENTREVERO


à memória de Clarice Lispector


Também eu, Clarice, choro manso de tristeza.
Também eu escrevo para agradecer, ou para agradar, como diria você.
Também eu quero o presente da frase que morre
porque morrer é doce e faz nascer a mim mesmo
como não pude ser.

Também eu, Clarice, temo o silêncio de Deus.
Também eu me sinto um tigre cheio de dor.
Às vezes, afasto-me sem nada dizer
porque Ele se calou antes das gentes que em mim gritaram
e agora o silêncio pesa anoitecido
o impensável anjo, a graça perdida
no anúncio do mundo.

Também eu saio deste transe
onde há pouco por dizer sobre o que se perdeu.
Entre o olho e a palavra, Clarice, a dor,
o anônimo que se desvela, o vazio que se apruma, a loucura que se inventa
e eu, de mais pequeno suspiro no escuro
sei o desespero, Clarice, do nada
apesar da vida possível
apesar da coragem do amor.


Márcio ares. 2007

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

BURITIS,MG 1999

NO MEIO DE TUDO

Deus não me engana diante das alturas.
Meus pensamentos, palavras e obras correm o risco do imperdoável.
Levanto os miseráveis olhos ao inclemente
porque Ele sabe a lei que eu provo insuportável.
Mas minha audácia sacode alegrias e um turbilhão de prazer arde as minhas partes.
Liberdade é pra sofrer.
Viver é pecado e não basta.

Márcio Ares. 2009.

POESIA

BURITIS,MG, FAZ. XODÓ,1999


A mão pesada de Deus deixa louco o meu corpo fatal.
Meu desejo tem o preço dos infernos e daqui não alcanço a beleza do céu.
Ergo-me em transições e pecados.
Sou um cavalo selvagem desencontrado das almas.
Minhas palavras inventam demais.
E o meu galope é cego de Deus, cheio de vontades.

Márcio Ares. 2009.
FERNANDO DE NORONHA,SETEMBRO DE 2004



Agora, que sei a força da solidão,
é como um velho que eu retorno ao mar.
De igual pra igual, o mais fundo mistério sabe nossa razão.
Dois encarcerados
querendo margens para arrebentar.

Márcio Ares. 2009.

POESIA


BURITIS,MG,FAZ XODO 1999







Nasci no Mato Seco porque o rio deu nome ao lugar.


Era um riacho. Não era, de verdade, um rio. E, de tão salgado, fazia parecer o mar.


O que era pouco, a água, um quase nada, deixou oceânica a minha vontade.


Toda a minha vida, meu verso, minha falta,
é o mar que era esse meu velho riacho.


Márcio Ares. 2009.