quinta-feira, 24 de setembro de 2009

POESIA

BUDAPESTE NOVEMBRO DE 2008


ENTREVERO


à memória de Clarice Lispector


Também eu, Clarice, choro manso de tristeza.
Também eu escrevo para agradecer, ou para agradar, como diria você.
Também eu quero o presente da frase que morre
porque morrer é doce e faz nascer a mim mesmo
como não pude ser.

Também eu, Clarice, temo o silêncio de Deus.
Também eu me sinto um tigre cheio de dor.
Às vezes, afasto-me sem nada dizer
porque Ele se calou antes das gentes que em mim gritaram
e agora o silêncio pesa anoitecido
o impensável anjo, a graça perdida
no anúncio do mundo.

Também eu saio deste transe
onde há pouco por dizer sobre o que se perdeu.
Entre o olho e a palavra, Clarice, a dor,
o anônimo que se desvela, o vazio que se apruma, a loucura que se inventa
e eu, de mais pequeno suspiro no escuro
sei o desespero, Clarice, do nada
apesar da vida possível
apesar da coragem do amor.


Márcio ares. 2007